sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Evangelho bem distante do Caminho

Bom líder: Você tem dito que por trás da expressão “outra espiritualidade” está a sugestão de que existe uma outra maneira de viver a espiritualidade cristã, diferente da maneira como os evangélicos a vivem. Qual seria essa “outra espiritualidade”?

Ed René Kivitz: Escrevi um livro para responder esta pergunta. A resposta não é simples. Mas, em síntese, é uma espiritualidade em oposição ao modelo religioso de relações de troca com Deus, ou na verdade deus, pois uma divindade que se pode manipular é na verdade um ídolo. A espiritualidade cristã é uma experiência da graça-gratuidade de Deus, uma relação de amor abnegado, desinteressado, desfocado dos próprios interesses e voltado para servir e abençoar o outro. A espiritualidade egocêntrica, que visa manipular Deus-deus em benefício próprio é pagã, e está na contra-mão da proposta existencial do Evangelho: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo com o amor de Cristo. 

Bom líder: E como você avalia o evangelho dos evangélicos ?

Ed René Kivitz: O evangelho dos evangélicos é uma mistura de catolicismo medieval, religiosidade afro e protestantismo fundamentalista. Está baseado em conceito de justiça retributiva, feitiçaria e magia, dogmas e moralismos. Bem distante do caminho de Jesus. Temo que se Jesus vivesse hoje seu ministério terreno, provavelmente trataria o evangelho dos evangélicos com a mesma atitude com que tratou o farisaísmo de sua época, ou mesmo de maneira mais contundente em exercer juízo. 

Bom líder: A atual espiritualidade desenvolvida em grande parte dos ambientes eclesiásticos no Brasil, seria o produto de uma liderança doente e comprometida com o mercantilismo religioso?

Ed René Kivitz: O modelo de liderança proposto por Jesus é a liderança do servo: quem quer ser o primeiro, seja o último; quem quer ser o maior, seja o menor; quem quer autoridade, seja servo. Cada um avalie seus líderes espirituais e compare com o modelo de Jesus para chegar a sua própria conclusão. 

Bom líder: Pensando na dinâmica ministerial, como você avalia a relação vocação pastoral x carreira profissional?

Ed René Kivitz: Creio que a vocação é algo que faço em resposta a um chamado de Deus, independentemente de um chamado da igreja, e por conseguinte independentemente de remuneração. Carreira profissional é algo que implica vínculo formal com uma organização em cujo ambiente nos dedicamos e por esta razão somos recompensados de diversas maneiras, sendo a principal delas a remuneração financeira. Para exercer a vocação, sendo necessário, trabalho de graça ou até mesmo pago para trabalhar. Na carreira profissional, recebo salário. Paulo, apóstolo tinha uma carreira profissional: era fazedor de tendas; e também uma vocação: apostólica. Quando podia, dedicava-se inteiramente à sua vocação; mas quando necessário, trabalhava em sua carreira profissional para pagar as contas do exercício de sua vocação.

Bom líder: De forma prática, como o leitor pode desfrutar desta “outra espiritualidade”, que você afirma ultrapassar os limites do culto (atividades), templo (lugar), tempo (domingo)?

Ed René Kivitz: As expressões "espiritualidade" e "forma prática" me soam antagônicas. A espiritualidade é muito mais uma postura de coração e uma atitude na vida do que uma coisa que se faz ou deixa de fazer. Nesse caso, o Evangelho trata de servir em vez de ser servido; amar as pessoas como as pessoas são, em vez de amar as pessoas como gostaríamos que fossem; buscar o reino de Deus e a sua justiça acima de todas as coisas; fazer tudo para a glória de Deus, dentre outras expressões ricas e profundas ensinadas pelo Novo Testamento.

Bom líder: Você acredita que da forma em que a igreja está constituída, é possível ser ao mesmo tempo, pastor e discípulo de Jesus?

Ed René Kivitz: Mais uma vez, ser discípulo de Jesus é uma coisa que você é, enquanto ser pastor é uma coisa que você faz. Você pode e deve ser discípulo de Jesus independentemente do que você faz, inclusive se o que você faz é pastorear.


fonte: Bom Líder

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