Uma pergunta que sempre me fazem: por que a data do Carnaval é alterada todo ano e quais os critérios? Este ano o domingo de Carnaval caiu em 18 de fevereiro; em 2008, será dia 3 do mesmo mês. Mudam também as datas da Semana Santa, de Corpus Christi de outras efemérides litúrgicas.
Nosso calendário gregoriano é solar, ou seja, regido pela translação da Terra em torno da estrela que nos ilumina. O calendário litúrgico é lunar, espelha-se nas fases da Lua.
A Páscoa é festa central da liturgia, tanto judaica (os hebreus libertos da escravidão no Egito) quanto cristã (a ressurreição de Jesus). Páscoa significa “passagem” (da opressão à libertação ou da morte à vida plena).
É sempre comemorada pelos judeus na primeira lua cheia do mês de Nisan. Este mês do calendário judaico corresponde ao período entre 22 de março e 25 de abril.
Para evitar confusão com a festa judaica de mesmo nome, a Igreja adotou o domingo seguinte ao da Páscoa judaica como o da celebração da ressurreição de Jesus. Para nós que vivemos no hemisfério Sul, o domingo de Páscoa é, portanto, aquele que se segue à primeira lua cheia do outono. Neste ano, 8 de abril; em 2008, 23 de março.
E como se determina a data do Carnaval? Esta é uma festa originariamente religiosa. Carnaval significa “festa da carne”, ou seja, período prévio à Quaresma - que se inicia na Quarta-Feira de Cinzas -, e no qual os cristãos se fartavam de carne, já que, outrora, a Igreja exigia-lhes dela se abster no decorrer dos quarenta dias seguintes.
O domingo de Carnaval é sempre o sétimo antes da Páscoa cristã. A quinta-feira de Corpus Christi é sempre a primeira depois do domingo da Santíssima Trindade, comemorado 57 dias depois da Páscoa.
Assim, o domingo da Páscoa é a data de referência das demais festas litúrgicas chamadas móveis, pois há as imóveis, como o Natal, comemorado invariavelmente a 25 de dezembro, não importa o dia da semana em que caia.
A política não é tudo, mas em tudo há política. Disso o calendário é um bom exemplo. Outrora o mês de julho era chamado de quintilis, quinto mês do calendário romano, que se iniciava em março. Agosto era o sextilis, o sexto. Os nomes dos meses seguintes ainda guardam ressonância daquele calendário: setembro (sétimo), outubro (oito), novembro (nove) e dezembro (dez).
O imperador Júlio César (100 a.C. - 44 a.C.) decidiu batizar o mês de seu nascimento, quintilis, com o próprio nome: Julho. Sucedido no trono pelo imperador Caio Júlio César Octaviano Augusto (63 a.C – 14 d.C.), este achou por bem merecer honra equivalente a de seu antecessor e, assim, trocou o nome de sextilis para agosto.
Havia, porém, uma pequena diferença: julho possui 31 dias e, agosto, na época, apenas 30, conforme a alternância dos meses. Como vontade de rei é lei, arrancou-se um dia de fevereiro, de modo a tornar agosto igual a julho em número de dias. Se Júlio César nasceu a 13 de julho, Otávio Augusto, por coincidência, morreu a 19 de agosto.
Todos os povos que seguem um calendário anual celebram a chegada do ano-novo, denominada, entre nós, réveillon, do verbo francês réveiller, que significa “despertar”. Foi o imperador Júlio César que, no ano 46 a.C., decretou o 1.º de janeiro como primeiro dia do ano-novo. Celebrava-se na data a festa de Jano, deus dos portões, dotado de duas faces, uma virada para frente, outra para trás. De Jano se originou janeiro.
Os nomes dos dias da semana se originam, em português, da classificação de Martinho de Dume, bispo de Braga, Portugal, no século VI. Ele denominou, em latim, os dias da Semana Santa como aqueles nos quais não se devia trabalhar: feria secunda (segundo dia de feriado ou férias), feria tertia etc. Feria resultou na corruptela feira.
O imperador Constantino (280-337), convertido ao cristianismo, já havia denominado Dies Dominica, “dia do Senhor”, domingo, o primeiro dia da semana. No sétimo dia foi mantido a nome judaico, sábado, que vem do hebreu shabbat.
Outros idiomas latinos conservam os nomes pagãos dos dias, concernentes aos planetas, como é o caso do francês, do italiano e do espanhol. Na língua de Cervantes segunda-feira é lunes, de Lua; terça, martes, de Marte etc.
Todas essas convenções e denominações estão calcadas em dois fenômenos inelutáveis: em sua dança cabrocha em torno do mestre-sala, o Sol, a Terra conhece quatro estações, e não apenas a Estação Primeira de Mangueira: verão, outono, inverno e primavera.
E nós, a infância, a adolescência, a juventude, as idades adulta e idosa, ainda que, hoje, muitos insistam em perpetuar a terceira fase e encarem a velhice como vergonhosa fatalidade da qual tentam escapar camuflando-a sob os recursos da bioplastia. Ignoram que juventude é estado de espírito, e nada mais feio do que, num corpo esbelto, uma alma enrugada.
Feliz Ano-Novo, queridos leitores e leitoras!
Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.
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